Miséria: vergonha nacional
Há aqui um deslocamento semântico de enormes consequências: a expressão “desenvolvimento” não é identificada pura e simplesmente com crescimento econômico, mas levando em consideração outras partes de seu discurso se pode dizer que desenvolvimento significa aqui a maneira inteligente de usar nossos recursos naturais tendo como objetivo o crescimento e o desenvolvimento humano, a melhoria da qualidade de vida das pessoas com a garantia de recursos para as gerações futuras e sem fazer com que a natureza se desequilibre o que implica ruptura com o modelo vigente de produção de riqueza.
É neste horizonte que a miséria se revela como uma vergonha inaceitável e isto expressa uma consciência política que nas últimas décadas do século passado se foi difundindo em nosso contexto cultural através do confronto com a pobreza coletiva vigente e a miséria de milhões em nosso país.
Trata-se da consciência de que pobreza e miséria não são fatos naturais, mas o resultado de determinada configuração da organização da vida social que se mostra nos grandes problemas que afetam a vida coletiva. Numa palavra, pobreza e miséria constituem o produto de situações e estruturas econômicas, políticas e culturais e assim de nenhuma forma podem ser consideradas apenas como etapas de um processo que com o tempo traria sua superação inexorável. A consequência aqui é clara: se é assim, então, a superação da pobreza e da miséria só é possível através de uma reestruturação dos fundamentos de nossa vida coletiva num processo difícil, mas indispensável se se tomam a dignidade do ser humano e o respeito à natureza como referenciais de nossa vida social.
Não é por acaso que Dilma fala de “luta obstinada”. Trata-se de uma reviravolta profunda, pois implica uma atitude firme de rejeição desta situação de humilhação da pessoa humana e a de força política necessária para implantar apesar de toda resistência aquelas políticas que possam efetivamente atacar o mal pela raiz.
A presidente mencionou algumas destas transformações fundamentais, cujo objetivo é “construir uma democracia vibrante e moderna, plena de compromisso social, liberdade política e criatividade institucional”. A primeira é a “urgente reforma política” para aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dar “mais transparência ao conjunto da atividade política”.
Em seguida fala de modernização do sistema tributário. É lamentável que esta questão tão fundamental para enfrentar a pobreza e a desigualdade não tenha sido suficientemente trabalhada, pois a reforma tributária se transformou no grande tema dos setores conservadores que a reduzem à questão de sua eficiência. A questão central é, contudo, o problema do caráter progressivo dos tributos, o que significa diminuir o peso dos impostos sobre os pobres que proporcionalmente continuam a pagar mais do que os ricos e aumentar este peso sobre a riqueza e a renda. Dilma tem toda razão ao afirmar que mudanças profundas não se farão sem o apoio decidido da sociedade.
Manfredo OLiveira
manfredo.oliveira@uol.com.brFilósofo
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