Um jardim botânico
Antigamente, me sentia arrancado quando um casarão antigo era abduzido de repente. Ainda lasca, mas fazer o quê?
27.08.2011| 01:30
Tenho das besteiras de me encher de afetos por Fortaleza. E mesmo com os defeitos dela não há troca que me faça deixá-la. Vou, mas o prazer de voltar é sempre um elefante. E não perco tempo em compará-la com Paris, Praga, Dublin, Berlin, Lisboa... Devem ser ótimas também. Para além do cartão postal ou frescura inferior de achar melhor o alheio. Quem rebentou lá deve saber.
Mas tanto amor não me faz perdê-la de vista ou cegar. Ainda mais pra quem sempre experimentou tocá-la, senti-la. E de uns tempos pra cá, já vou nos 44, me aperreia ver sumirem os quintais. Antigamente, me sentia arrancado quando um casarão antigo era abduzido de repente. Ainda lasca, mas fazer o quê?
Hoje, me perturbo mais porque junto com a demolição vão árvores e um pedaço que insistimos enjeitar. Fomos nos separando do mato e há quem se ache mais importante que um grilo. Talvez por isso não se aquietar enquanto não matar a pauladas um sapo que invadiu o condomínio ou querer passar uma ponte sob o Cocó da Sebastião de Abreu.
Conversando com dona Araci Furtado, uma senhora que foi enxotada por uma imobiliária da esquina da João Cordeiro com Tenente Benévolo, tive uma surpresa para o ruim. Lembram do cemitério que se fez na Santos Dumont com Virgílio Távora? Pois então. Alguns prédios dos arredores de lá, estariam enfrentado problemas com uma praga de cupins. Dona Araci teve de chamar uma detetizadora.
Coincidência ou não, lugar de cupim é na mata. Mas o bosque que havia ali, e era morada deles, foi desterrado num feriado de Carnaval. Bem que os moradores da vizinhança do cemitério, com laudos de impacto, poderiam exigir judicialmente reparação da construtora e de quem liberou apagar o verde.
Na mesma Virgílio Távora, por trás do ex-bosque, fotografei uma cena curiosa semanas depois da derrubada da pequena floresta particular. Há um miúdo pé de algaroba, no canteiro central da avenida, com quatro ninhos. Não sei se de lavadeiras da cara riscada ou bem-te-vi. Tenho a impressão de que foram despejados...
Pode parecer besteira o que estou a escrever. Mas insisto noutra bobagem: a especulação imobiliária é avassaladora e não tem limites. A mesma dona Araci não teve muito tempo para decidir se continuaria morando na casa onde viveu menina com os pais, se casou com seu Gil, pariu os filhos, recebeu amigos e netos na Praia de Iracema.
No pedaço de esquina onde ainda mora (até entrar setembro), a construtora comprou os quatro casarões vizinhos ao dela. Todos da década de 50. Enquanto negociava espontaneamente com a viúva que vive com um neto menino, a imobiliária passou os tratores por cima das paredes alheias. Havia saída para dona Araci? Ficou ilhada por entulhos e medo.
Além do lugar das memórias, as “catrepilhas” também arrancaram de lá os quintais. Mastigaram mais de trinta árvores. Pode parecer pouco, mas muitos terreiros já se foram e não houve reposição nas redondezas. Arranca aqui e se planta num buraco negro. Tem de se plantar nos derredores desmatados. O problema é que nem Prefeitura nem Estado dão exemplos. Fizeram o quê das mais de 300 árvores destroçadas do lugar onde funcionará o Centro de Feiras e Eventos, na Washington Soares?
Vai uma sugestão de punição do bem: que tal a população e o Ministério Público exigirem das construtoras, imobiliárias, Prefeitura e Governo a plantação de um grande Jardim Botânico em Fortaleza? É o mínimo.
Demitri Túlio
demitri@opovo.com.br
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