Especial - A PRAÇA É NOSSA?
Por Tarik Otoch
Se você quer provar o sabor de Fortaleza, passe a tarde numa praça movimentada do Centro da cidade. Com seus 315 quilômetros quadrados, nossa Capital é pequena em tamanho mas, como toda metrópole, grande em diversidade. E as praças do Centro são peculiares, reúnem todas as classes e gostos de Fortaleza: A, B, C, D, E... o alfabeto inteiro você encontra por lá.
Ao contemplar o movimento vespertino de vendedores, consumidores, artistas e transeuntes, é possível se aproximar da alma do fortalezense. Cada rosto sentado ali tem histórias que tecem a identidade não só de Fortaleza, mas de todo o Ceará.
E, além disso: cada rosto ali precisa daquele pedaço de ar livre para escapar da cláusura das salas e escritórios e comungar com seus conterrâneos. A praça é um respiro, vital à saúde pública e à construção cultural.
Contudo, nosso povo cresce mais que o espaço público e nessa explosão demográfica as praças tornam-se curingas urbanos: viram feiras, casas e palcos, dão espaço a tudo que não encontra espaço em outro lugar. Sufocam-se, assim como a cidade.
Mas ir à praça é um costume antigo do Fortalezense, ainda hoje cultivado nas regiões mais tradicionais da cidade. O quão preservado está esse costume? Para que o cidadão vá à praça é preciso haver as condições urbanas certas, “sementes” que o atraiam. Essas sementes estão sendo cultivadas?
É isso que O Estado Verde vai tentar saber na série de reportagens que começa hoje. As praças estão cumprindo sua função social? Nas próximas edições você vai experimentar algumas, conhecer o seu papel no meio urbano e a realidade da Capital. Comecemos experimentando...
Nós somos da praça
Entrevistar os frequentadores de uma Praça no Centro pode não ser uma tarefa fácil. As pessoas não querem se expor, envergonhadas ou desconfiadas de alguma coisa, calejados por estarem volta e meia acuados pela “lei” e pelo preconceito do próprio conterrâneo.
Na Praça José de Alencar, muitas frustrações. “Eu não sei falar não, senhor”, disseram uns. “Você quer saber o quê? Não quero falar não”, disse outro. Alguns até esquivavam o corpo com medo apenas de serem ouvidos. Mas os que falaram, escancararam faces comuns a muitas praças de Fortaleza, veja algumas.
Ponto de apoio
Luís Amaro e Ciomar da Silva são amigos que, a exemplo de Ana Cláudia, tiram o sustento da Praça José de Alencar. Eles vendem cachorro quente e refrigerante todo dia há quatro anos. “a gente já tem os clientes certos ‘o povão’. Antes, eu trabalhava numa empresa, numa farmácia e depois vim pra cá. Achei melhor”, diz Luís Amaro. “O centro é o canto mais movimentado da cidade. Aqui é a ‘fonte de dinheiro’ e cachorro-quente é o que sai mais”, explica porque vende ali.
A clientela de Luís e Ciomar, assim como a de Ana Cláudia, está sempre de passagem, mas volta e meia encontra tempo para bater um papo. “O pessoal que vem pra cá é mais de passagem, gente que trabalha e fica por aqui com os ‘coroa’ aqui. Eles vêm, ‘merenda’, conversa um pouquinho, uns cinco minutos, e depois voltam pro trabalho”, descreve Ciomar.
No rodo cotidiano, o carrinho de sanduíche dos amigos serve como ponto de apoio – o tal respiro – aos trabalhadores do Centro e acabou por entrosá-los com os colegas. “Todo mundo [os vendedores de cachorro quente, posicionados lado a lado] se conhece. A gente mora longe, nenhum aqui mora perto, mas a gente se conhece”, diz Luís.
Distração improvisada
José Olavo e seus amigos são como o capim que brota no meio-fio: teimando em frequentar um espaço que não lhes dá espaço. Ele é aposentado, tem 69 anos, e frequenta a praça há cinco anos. “Venho almoçar no Centro e depois bater um papinho aqui. A gente senta aqui [no monumento de homenagem ao centenário de José de Alencar], sente falta de uns ‘banquim’. Era melhor, né”, disse. Um de seus amigos idealizou como seria a praça ideal. “Se tivesse aqui uma sinuca, um dominó, uma dama, era bom né...”
Todo santo dia a turma de aposentados está por ali, sentada no monumento. Chegam às 11h e saem às 16h. “A gente fica vendo o movimento. A maioria do pessoal vem fazer compra no beco da poeira, no Esqueleto, fica pra lá e pra cá. Tem muita gente que fica aqui também, uns trabalhando, outros passando o tempo”, descreve Olavo.
Paixão generosa
João Neto, tem 31 anos e é ambulante. Há quanto tempo vende na praça? “Ah, mas tem muitos anos, 28 anos aqui. Não, não. Uns 15 ano”. Como ele mesmo diz, Neto – como gosta de ser chamado – trabalha com tudo. “Veneno, travesseiro, controle, é tudo. Sempre aqui na praça”. O ofício foi uma saída mais rentável que o trabalho formal e a praça é o melhor ponto de venda. “Nego arruma emprego em firma aí, e no final do mês ganha aquela mixaria e fica devendo à mercearia e tudo, luz, água... Aqui não, aqui você tira um dinheiro pra sustentar a família e sobra um dinheirinho a mais pra você comprar alguma coisa, um objeto pra dentro de casa, um móvel”.
Hoje, Neto vende CD pirata: “Em vez de comprar um CD caro, de 60, 70 reais, as pessoas compram um ‘cedêzim’ pirata de dois real”. Assim como todos os outros, Neto aprendeu a gostar da praça em que ‘vive’, mas ainda acha a cidade carente.
“A José de Alencar é bonita!” – diz, como quem defende a moral da praça. “Essa praça é boa demais. Se eu pudesse, eu morava era aqui, fazia uma casa aqui, um barraco!” E além dessa, você anda outras praças? “Ando!” E são boas? “Algumas”, ressalta, sério. “Porque a gente vê que existe muito morador de rua, praça quebrada, num tem uma área de esporte, num tem campo, num tem lazer, num tem nada”.
Mercado livre
Ana Claúdia tem 39 anos e há um ano é vendedora de café, refrigerante, água e cerveja na José de Alencar. Sem marido para ajuda-la, tira o sustento dos cinco filhos do que apura por ali. “Uma pessoa me ajudou a colocar [o carrinho de isopor onde estoca os produtos] pra vender e estou aqui”. A praça de trabalho foi escolhida por ser muito movimentada. Seu público-alvo está sempre de passagem pelo local. “Muita gente vem aqui pra tomar cerveja, refrigerante. O pessoal fica em pé aqui na frente ou então compra e vai embora”.
Praça, para Ana Cláudia, só a trabalho. Não há tempo para curtir a cidade, o lazer, mas isso não impede a ambulante de reconhecer a importância desses espaços. “Praça é bom pra lazer, né? Pra sentar, conversar, fazer caminhada...”.
Slow living: o estilo “vida mansa”
Salviano é um dos que senta. E também um dos que não gosta muito de dar entrevista. “Bater papo pra quê?” – perguntou desconfiado. Senhor de idade – não quis dizer exatamente qual –ele vem de Quixeramobim à Capital uma vez por mês para resolver pendências e, quando acaba os deveres, senta num banco com a esposa e curte a praça enquanto espera a hora do ônibus de volta para o interior.
“Venho aqui de mês em mês para resolver os negócios. Aí quando acabo venho pra cá. Aqui na praça é muito bom. Ainda agora tinha gente cantando ali, tocando, a gente fica vendo o movimento”, declara o senhor de vida mansa. Salviano e a esposa aproveitam em Fortaleza o movimento inexistente na terra natal. “O lugar é morto”, reclama das praças de Quixeramobim. “De noite é tudo calmo. Aqui é bom demais, a gente passa uma hora e meia, duas horas aqui”.
Fonte: O ESTADO VERDE
Se você quer provar o sabor de Fortaleza, passe a tarde numa praça movimentada do Centro da cidade. Com seus 315 quilômetros quadrados, nossa Capital é pequena em tamanho mas, como toda metrópole, grande em diversidade. E as praças do Centro são peculiares, reúnem todas as classes e gostos de Fortaleza: A, B, C, D, E... o alfabeto inteiro você encontra por lá.
Ao contemplar o movimento vespertino de vendedores, consumidores, artistas e transeuntes, é possível se aproximar da alma do fortalezense. Cada rosto sentado ali tem histórias que tecem a identidade não só de Fortaleza, mas de todo o Ceará.
E, além disso: cada rosto ali precisa daquele pedaço de ar livre para escapar da cláusura das salas e escritórios e comungar com seus conterrâneos. A praça é um respiro, vital à saúde pública e à construção cultural.
Contudo, nosso povo cresce mais que o espaço público e nessa explosão demográfica as praças tornam-se curingas urbanos: viram feiras, casas e palcos, dão espaço a tudo que não encontra espaço em outro lugar. Sufocam-se, assim como a cidade.
Mas ir à praça é um costume antigo do Fortalezense, ainda hoje cultivado nas regiões mais tradicionais da cidade. O quão preservado está esse costume? Para que o cidadão vá à praça é preciso haver as condições urbanas certas, “sementes” que o atraiam. Essas sementes estão sendo cultivadas?
É isso que O Estado Verde vai tentar saber na série de reportagens que começa hoje. As praças estão cumprindo sua função social? Nas próximas edições você vai experimentar algumas, conhecer o seu papel no meio urbano e a realidade da Capital. Comecemos experimentando...
Nós somos da praça
Entrevistar os frequentadores de uma Praça no Centro pode não ser uma tarefa fácil. As pessoas não querem se expor, envergonhadas ou desconfiadas de alguma coisa, calejados por estarem volta e meia acuados pela “lei” e pelo preconceito do próprio conterrâneo.
Na Praça José de Alencar, muitas frustrações. “Eu não sei falar não, senhor”, disseram uns. “Você quer saber o quê? Não quero falar não”, disse outro. Alguns até esquivavam o corpo com medo apenas de serem ouvidos. Mas os que falaram, escancararam faces comuns a muitas praças de Fortaleza, veja algumas.
Ponto de apoio
Luís Amaro e Ciomar da Silva são amigos que, a exemplo de Ana Cláudia, tiram o sustento da Praça José de Alencar. Eles vendem cachorro quente e refrigerante todo dia há quatro anos. “a gente já tem os clientes certos ‘o povão’. Antes, eu trabalhava numa empresa, numa farmácia e depois vim pra cá. Achei melhor”, diz Luís Amaro. “O centro é o canto mais movimentado da cidade. Aqui é a ‘fonte de dinheiro’ e cachorro-quente é o que sai mais”, explica porque vende ali.
A clientela de Luís e Ciomar, assim como a de Ana Cláudia, está sempre de passagem, mas volta e meia encontra tempo para bater um papo. “O pessoal que vem pra cá é mais de passagem, gente que trabalha e fica por aqui com os ‘coroa’ aqui. Eles vêm, ‘merenda’, conversa um pouquinho, uns cinco minutos, e depois voltam pro trabalho”, descreve Ciomar.
No rodo cotidiano, o carrinho de sanduíche dos amigos serve como ponto de apoio – o tal respiro – aos trabalhadores do Centro e acabou por entrosá-los com os colegas. “Todo mundo [os vendedores de cachorro quente, posicionados lado a lado] se conhece. A gente mora longe, nenhum aqui mora perto, mas a gente se conhece”, diz Luís.
Distração improvisada
José Olavo e seus amigos são como o capim que brota no meio-fio: teimando em frequentar um espaço que não lhes dá espaço. Ele é aposentado, tem 69 anos, e frequenta a praça há cinco anos. “Venho almoçar no Centro e depois bater um papinho aqui. A gente senta aqui [no monumento de homenagem ao centenário de José de Alencar], sente falta de uns ‘banquim’. Era melhor, né”, disse. Um de seus amigos idealizou como seria a praça ideal. “Se tivesse aqui uma sinuca, um dominó, uma dama, era bom né...”
Todo santo dia a turma de aposentados está por ali, sentada no monumento. Chegam às 11h e saem às 16h. “A gente fica vendo o movimento. A maioria do pessoal vem fazer compra no beco da poeira, no Esqueleto, fica pra lá e pra cá. Tem muita gente que fica aqui também, uns trabalhando, outros passando o tempo”, descreve Olavo.
Paixão generosa
João Neto, tem 31 anos e é ambulante. Há quanto tempo vende na praça? “Ah, mas tem muitos anos, 28 anos aqui. Não, não. Uns 15 ano”. Como ele mesmo diz, Neto – como gosta de ser chamado – trabalha com tudo. “Veneno, travesseiro, controle, é tudo. Sempre aqui na praça”. O ofício foi uma saída mais rentável que o trabalho formal e a praça é o melhor ponto de venda. “Nego arruma emprego em firma aí, e no final do mês ganha aquela mixaria e fica devendo à mercearia e tudo, luz, água... Aqui não, aqui você tira um dinheiro pra sustentar a família e sobra um dinheirinho a mais pra você comprar alguma coisa, um objeto pra dentro de casa, um móvel”.
Hoje, Neto vende CD pirata: “Em vez de comprar um CD caro, de 60, 70 reais, as pessoas compram um ‘cedêzim’ pirata de dois real”. Assim como todos os outros, Neto aprendeu a gostar da praça em que ‘vive’, mas ainda acha a cidade carente.
“A José de Alencar é bonita!” – diz, como quem defende a moral da praça. “Essa praça é boa demais. Se eu pudesse, eu morava era aqui, fazia uma casa aqui, um barraco!” E além dessa, você anda outras praças? “Ando!” E são boas? “Algumas”, ressalta, sério. “Porque a gente vê que existe muito morador de rua, praça quebrada, num tem uma área de esporte, num tem campo, num tem lazer, num tem nada”.
Mercado livre
Ana Claúdia tem 39 anos e há um ano é vendedora de café, refrigerante, água e cerveja na José de Alencar. Sem marido para ajuda-la, tira o sustento dos cinco filhos do que apura por ali. “Uma pessoa me ajudou a colocar [o carrinho de isopor onde estoca os produtos] pra vender e estou aqui”. A praça de trabalho foi escolhida por ser muito movimentada. Seu público-alvo está sempre de passagem pelo local. “Muita gente vem aqui pra tomar cerveja, refrigerante. O pessoal fica em pé aqui na frente ou então compra e vai embora”.
Praça, para Ana Cláudia, só a trabalho. Não há tempo para curtir a cidade, o lazer, mas isso não impede a ambulante de reconhecer a importância desses espaços. “Praça é bom pra lazer, né? Pra sentar, conversar, fazer caminhada...”.
Slow living: o estilo “vida mansa”
Salviano é um dos que senta. E também um dos que não gosta muito de dar entrevista. “Bater papo pra quê?” – perguntou desconfiado. Senhor de idade – não quis dizer exatamente qual –ele vem de Quixeramobim à Capital uma vez por mês para resolver pendências e, quando acaba os deveres, senta num banco com a esposa e curte a praça enquanto espera a hora do ônibus de volta para o interior.
“Venho aqui de mês em mês para resolver os negócios. Aí quando acabo venho pra cá. Aqui na praça é muito bom. Ainda agora tinha gente cantando ali, tocando, a gente fica vendo o movimento”, declara o senhor de vida mansa. Salviano e a esposa aproveitam em Fortaleza o movimento inexistente na terra natal. “O lugar é morto”, reclama das praças de Quixeramobim. “De noite é tudo calmo. Aqui é bom demais, a gente passa uma hora e meia, duas horas aqui”.
Fonte: O ESTADO VERDE
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