domingo, 27 de junho de 2010

Veja que texto interessante


INQUILINOS

Ninguém é responsável pelo funcionamento do mundo. Nenhum de nós precisa acordar cedo para acender a chaleiras e checar se a Terra está girando em torno do seu próprio eixo na velocidade  apropriada e em torno do Sol, de modo a garantir a correta sucessão das estações. Como num prédio bem administrado , os serviços básicos do planeta  são providenciados sem que se enxergue o síndico – e sem taxa de administração . Imagine se coubesse á humanidade , com sua conhecida tendência ao desleixo e à improvisação , manter a Terra na sua órbita e nos seus horários, ou se – coroando o mais delirante dos sonhos liberais – sua gerência fosse entregue a uma empresa privada, com poderes para remanejar os ventos e suprimir as correntes marítimas , encurtar ou alongar dias e noites, e até mudar de galáxia, conforme as conveniências de mercado, e ainda por cima sujeita a decisões catastróficas , fraudes e falência.
É verdade que , mesmo  sob o atual regime impessoal, o mundo apresenta falhas na distribuição de seus benefícios, favorecendo alguns andares do prédio metafórico dos seus  benefícios , tudo devido ao que só pode ser chamado de incompetência administrativa. Mas a responsabilidade não é nossa . A infra – estrutura já estava pronta quando nós chegamos. Apesar de tentativas como a construção de grandes obras que afetam o clima e redistribuem as águas, há pouco que podemos fazer para alterar as regras de seu funcionamento.
Podemos , isto sim, é colaborar na manutenção da Terra. Todos os argumentos conservacionistas e ambientalistas teriam mais força se conseguissem nos convencer de  que somos inquilinos no mundo. E que temos as mesmas obrigações de  qualquer inquilino, inclusive a de prestar contas por cada arranhão no fim do contrato. A escatologia cristã deveria substituir o Salvador que virá pela segunda vez para nos julgar por um Proprietário que chegará para retomar seu imóvel. E o Juízo Final , por um cuidados inventário em que todos os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
 - Cadê a floresta que estava aqui? – Perguntaria o Proprietário . – Valia uma fortuna.
   E:
 - Este rio não está como deixei...
 E, depois de uma contagem minunciosa:
- Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar . Apontar as benfeitorias  - monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existia desertos – para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
- Para que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era muito mais bonita.
- E a catedral de Chartres? Fomos nós que construímos . Aumentou o valor do terreno em...
- Fiquem com todas as suas catedrais , represas , cidades e shoppings, quero o mundo que eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica . Precisamos de uma mentalidade de locatários. E do terror da indenização.
( LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO –  O MUNDO É BÁRBARO- e o que nós temoa a ver com isso, Rio de Janeiro, Objetivo, 2008)

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