terça-feira, 30 de novembro de 2010

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Opinião

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IDEIAS

Breve retrato

30/11/2010 
A Fortaleza de meados do século passado era uma cidade bucólica, enfeitada de lagoas e ensombrada de verde. Os retiros, as novenas, as procissões, ao som da matraca, preenchiam o espaço hoje ocupado pelas bandas de forró e os carros de som de muitos decibéis.

Dormia-se cedo, e os poucos bairros possuíam cada um a sua bodega de estimação, com o seu bodegueiro de caderneta à mão para anotar os fiados do dia. Vendia-se a granel café, manteiga e banha, estes últimos colocados em simples pedaço de papel ordinário.

A pobreza era um bem repartido na classe média, formada por funcionários e comerciários. Ao homem cabia a condição de mantenedor e à mulher, a de mãe e cuidadora. Inexistiam os utilitários de agora - geladeira, fogão a gás, ferro elétrico, liquidificador, máquina de lavar roupa e de lavar pratos, televisão, enceradeira, aspirador de pó - todo esse conjunto de eletrodomésticos a serviço da comodidade do lar.

Carro só os ricos possuíam. Os demais serviam-se dos "carros de praça" dos postos Mazine e Vitória, estacionados nas adjacências da Praça do Ferreira. A vida não era fácil, mas não se ouvia falar em surtos de depressão, nem na indústria das cesarianas. As mães pariam no recinto da casa, auxiliadas por parteiras, e observavam rigoroso "resguardo" de trinta dias a caldo de galinha.

O rádio fazia a alegria da família, e tinha lugar garantido na sala de visitas, depois ocupado pela televisão. Os rapazes só conheciam calças compridas aos quinze, dezesseis anos, e até lá mantinham as canelas de fora. Papel higiênico ainda não chegara por estas bandas, tampouco o modess, para a higiene feminina. Mulher "desquitada" era "vigiada"como nem Madalena, e a viúva não menos.

Ambas deviam andar na linha. As crianças improvisavam brinquedos e podiam correr livremente, sem medo de sequestros nem de atropelamentos.

Às vésperas de completar 66 anos de idade, estas lembranças me vêm dos longes da infância e da adolescência, quando o meu maior desejo era o de acordar adulto.

Eduardo Fontes - jornalista

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE - 30 /11/10

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