CRIMES AMBIENTAIS "... Chegará um dia no qual os homens conhecerão o íntimo dos animais; nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a humanidade..." (Leonardo Da Vinci) Encontramo-nos em um tempo onde a preocupação social em torno das ofensas e lesões ao nosso meio ambiente é crescente. Organizações governamentais e não-governamentais conciliam-se frente a essa demanda. A imprensa, outrossim, instiga o debate ao trazer-nos, em horário nobre, dia após dia, denúncias as mais variadas possíveis acerca do tema. Assim o propósito desse trabalho é elucidar dois pontos de grande importância a cerca da matéria, o primeiro deles, são aqueles delitos ambientais onde a Polícia Judiciária freqüentemente luta com maior intensidade no seu dia-a-dia; já no segundo, ventilar-se-á sobre a possibilidade de co-responsabilização das instituições financeiras por crimes ambientais no específico cenário da sociedade, quando da concessão de créditos desapercebidos de um adequado e prévio estudo sobre os impactos ambientais possivelmente decorrentes. Os crimes ambientais estão previstos na Lei nº 9.605/98, que trata também da polícia judiciária, das instituições financeiras e da co-responsabilidade. São considerados crimes ambientais toda e qualquer ação que causar poluição de qualquer natureza que resulte ou possa resultar em danos à saúde ou que provoque a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Não se pode esquecer dentro da temática ambiental aqui proposta, principalmente em nossa atualidade onde a crescente industrialização traz-nos à tona questões condizentes com a otimização de mecanismos estatais tendentes 1 a frear toda e qualquer conduta lesiva de pessoas jurídicas ao nosso meio ambiente. Indo mais a fundo ainda, além disso, e por derradeiro, indaga-se se essa responsabilização penal não poderia ramificar-se em uma co-responsabilização penal a ser atribuída às instituições financeiras que viessem a conceder créditos a pessoas jurídicas desacompanhados eles do adequado e prévio estudo de impacto ambiental relativo à industrialização que se quer ver materializada. A Polícia Judiciária, a quem compete diligenciar no intuito de apurar a autoria e a materialidade das infrações penais, encontra na Lei nº9.605/98 o seu grande norte no combate às ofensas e lesões ao nosso meio ambiente. A lei supra citada não abarca apenas a flora, mas também a fauna, disciplinando a ação penal, a metodologia de aplicação da pena, o rito de apreensão dos produtos e dos instrumentos da infração penal, bem como o estabelecimento de princípios atinentes à cooperação internacional para a preservação do meio ambiente. No que concerne aos tipos da Lei de proteção ao meio ambiente onde a atuação policial é mais intensa, temos alguns dos quais passamos os seguintes: Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: “in casu”, tem-se infração penal de menor potencial ofensivo, já que a pena máxima cominada ao tipo pode chegar a um ano. Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: tem-se, aqui, da mesma forma, infração penal de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais criminais. 2 Art. 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carregamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras: não se trata de infração de menor potencial ofensivo, já que a pena máxima pode chegar a três anos de prisão, sendo sua competência, portanto, afeta à justiça comum. Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: delito comuníssimo. Não figura entre os tipos de menor potencial ofensivo. Sua competência é afeta à justiça comum. Em relação aos delitos contra a fauna, pois, eram estes os quais instigam maiores atividades à Polícia Judiciária no seu dia-a-dia. Todavia, importante salientar que a Lei exclui a ilicitude daquela conduta que, embora se amolde a alguma descrição típica antes citada, foi realizada em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família. Também fica excluída a ilicitude, se a conduta teve o objetivo de proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente. Ainda, e por último, exclui-se a ilicitude da conduta caso seja o animal nocivo, desde que assim caracterizado pelo órgão competente. Por outro lado, quando passamos a tratar dos assuntos pertinentes à flora, compete-nos frisar os seguintes tipos, os quais consideram-se os de maior incidência durante a labuta diária da Polícia Judiciária frente à sua competência constitucional tendente a elucidar a autoria e a materialidade das infrações penais que assolam o nosso meio ambiente: Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente: figura-se como delito comum, de médio potencial ofensivo, apenado com até três anos de detenção, portanto excluído da competência dos Juizados Especiais Criminais, afiançável. 3 Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano: é crime de médio potencial ofensivo, que escapa à competência dos juizados especiais criminais, apenado com até três anos de detenção. Art. 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais: crime de competência dos juizados especiais criminais. Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia: crime de menor potencial ofensivo. Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: delito de médio potencial ofensivo, geralmente praticado pela conduta de pessoas jurídicas. Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: delito de médio potencial ofensivo. Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: trata-se de um delito contra o ordenamento urbano ou patrimônio cultural. É infração de menor potencial ofensivo. Pelos tipos penais que foram descritos, infere-se que esses eram, pois, aqueles mais comuns no labor diário da Polícia Judiciária. Claro que, além da Lei nº 9.605/98, há várias outras normas que tratam da proteção ao meio ambiente 4 como um todo. Não obstante, tem-se que se observar as revogações e/ou derrogações, principalmente tácitas, que insurgiram a partir da publicação da Lei aqui comentada, conjuntura em que ela passou a disciplinar, no todo ou em parte, questões anteriormente tratadas. Dito isso, valho-me do presente para asseverar que há um ponto crucial que muito chama a atenção do contemporâneo estudante desperto, consistente em se saber se há a possibilidade, ou não, de responsabilização das pessoas jurídicas quando da prática de crimes ambientais, já que vários tipos contidos na Lei, denotam que comumente seriam pessoas jurídicas, mormente empresas de médio e de grande porte, as quais promoveriam os maiores atos de poluição ambiental que a Legislação em vigor pretende obstar, bem como a coresponsabilização das instituições financeiras pela concessão de financiamentos a essas empresas desapercebidos eles de um prévio, adequado e pertinente estudo sobre os impactos ambientais decorrentes. Com efeito, percebe-se que compete às instituições financeiras não proceder a gestões temerárias no desenvolver das suas atribuições, conjuntura em que lhes é inobscurecível aprovar, tão-somente, financiamentos cuja gênese assente-se em pleitos aderidos a projetos que viabilizem a preservação ambiental. Assim sendo, o financiamento constitui-se em manifesto instrumento de controle ambiental, mormente na medida em que o desenvolvimento econômico passa a eleger a defesa e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma das suas diretrizes. E exatamente pelo fato de que as instituições financeiras cumprem papel de vultosa relevância na seara do desenvolvimento econômico, não se pode conceber como plausível as suas não coresponsabilizações quando de financiamentos a atividades potencial ou efetivamente poluidoras. A sociedade de risco, de efeito, apresenta vinculação com o fenômeno da chamada globalização, apresentando ao mundo do Direito novas indagações. 5 Infere-se, assim, que o risco é convizinho da globalização, porquanto as expansões técnicas, científicas e econômicas inserem fragilidade aos sistemas, enfraquecendo os Estados Democráticos de Direito. Por outro lado, no que diz respeito à possibilidade de co-responsabilização penal das pessoas jurídicas, há de ser frisado que a avassaladora gama de doutrinadores entende esta hipótese como sendo inviável, já que os entes morais não teriam, no seu entender, vontade própria, manifestando-se somente através de seus dirigentes – pessoas físicas -, não podendo, assim, terem culpa por serem entes inanimados. Quando a Constituição de 1988 previu a possibilidade de a pessoa jurídica praticar crimes contra o meio ambiente (artigo 225, parágrafo 3º), o fato não trouxe maior inquietação ao mundo jurídico brasileiro. Afinal, tantas eram as novidades da nova Carta Magna, que esta, a depender de lei que a regulasse, nem sequer representava uma realidade próxima. Porém, com efeito, a Lei dos Crimes Ambientais trouxe em seu contexto a previsão da responsabilização penal da pessoa jurídica (artigo 3º) e o instituto da desconsideração da personalidade jurídica (artigo 4º). “... Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato...”. 6 A mais tradicional e respeitada doutrina de Direito Penal formulou ataques de toda ordem. A lei seria inconstitucional por esta ou aquela razão. Afinal, desde 1956 Aníbal Bruno já ensinava que: “... Desde que o Direito de punir venceu a fase rudemente objetiva das origens, o seu sistema veio a construir-se tendo em vista a idéia da culpabilidade...”. (Direito Penal, Forense, t. 2, p. 23). Afinal, se a culpabilidade é a vontade consciente direcionada na prática do crime (dolo) ou, simplesmente, a falta de um dever de diligência (culpa), como admitir que uma pessoa jurídica possa praticar um delito? A lição de Aníbal Bruno é cabal neste sentido, ao afirmar que sujeito ativo do crime é apenas o homem que o pratica. Só ao ser humano se reconhece capacidade para delinqüir... A pessoa moral é uma realidade jurídica, criada pela lei, que transforma em unidade um agrupamento de pessoas reunidas para determinado fim, no entanto conforme entendimento da Corte precisa comprovar a responsabilidade a pessoa física para a imputação do crime. No HC nº 57.213 – SP, relatado pelo Ministro Gilson Dipp, a ordem foi concedida a favor da paciente, que foi denunciada pela suposta pratica de crime ambiental, no âmbito de uma sociedade: “... Criminal. HC. Delito ambiental. Crime societário. Imputação baseada na condição de proprietária e representante legal da empresa. Necessidade de descrição mínima da relação da paciente com os fatos delituosos. Inépcia da denuncia...”. 7 O entendimento do STJ e no sentido de que nos crimes societários em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, isso não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vinculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele imputada. O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador de empresa não autoriza a instauração de processo crime no âmbito da sociedade, se não resta comprovado, ainda que com elementos a ser aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a sua função na empresa, sob pena de se reconhecer à responsabilidade penal objetiva. Porém faltava a palavra final do Supremo Tribunal Federal. Pois bem, ela veio, ainda que indiretamente, em 19.08.2008, em habeas-corpus impetrado a favor de pessoa jurídica, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski (STF, 1ª Turma, HC 92.921-4/BA). No caso, a discussão centrou-se no cabimento ou não de habeas-corpus para trancar ação penal (tribunais de apelação sempre entenderam cabível o mandado de segurança). Mas o fato é que se admitiu, por via reflexa, a possibilidade de pessoa jurídica ser ré de crime ambiental. A uma pessoa jurídica serão aplicadas todas as penas, menos, evidentemente, a de prisão. Multa, suspensão de atividades, prestação de serviços à comunidade, são algumas delas. E mais. Subjacente à idéia da punição, achase também a da imagem da PJ. Atualmente, ninguém quer vincular-se à idéia de inimigo do meio ambiente. Assim, o fato de responder a uma ação penal, por si só, é um ônus pesado para uma empresa, pois pode ocasionar reflexos nas suas vendas ou nas suas ações na Bolsa de Valores. Por outro lado, outros doutrinadores afirmam que as pessoas jurídicas devem ser responsabilizadas penalmente por causarem grandes danos econômicos e ambientais, sendo os principais criminosos na atualidade, não podendo, assim, 8 ficarem amparadas sob o manto da inimputabilidade penal e nem mesmo impunes em decorrência da falta de responsabilização ou de culpados pessoas físicas. É impensável, em tempos modernos como o nosso, admitir que, sob a ficção de uma pessoa criada formalmente pelo homem, exima-se este de responsabilidade penal, uma vez que, mesmo havendo praticado crime, aduza que, em verdade, foi aquela fantasia que o praticou, restando a ele toda inocência. A sociedade moderna é de risco e a repressão estatal deve conter o condão de frear, o quanto possível, a perfectibilização de resultados danosos, mormente os criminosos, oriundos deste perigo. A temática ambiental é matéria que nunca perde sua vibração. Afinal, sob o amparo dos recursos naturais contidos no meio ambiente que nos cerca, vivemos e sobrevivemos durante nossa senda terrestre. Nos tempos atuais, ainda, surgem questões alarmantes que, noticiadas e debatidas em nossos mais variados meios de imprensa, noticiam a indubitável finitude desses recursos. Dessa arte, nada mais oportuno que se debaterem conjecturas novas e impactantes sobre a conduta daqueles que, sob o véu de uma fantasia rotulada como pessoa jurídica, procuram isentar-se da responsabilidade penal pela prática gananciosa e criminosa cometida contra nossos escassos recursos ambientais, degradando não só a qualidade de vida da sociedade atual, que é de risco, mas também, e principalmente, obstando a qualidade de vida das nossas gerações futuras. Nessa mesma linha de raciocínio, e por fim, nada mais lógico que co-responsabilizar criminalmente a instituição financeira, por meio da pessoa física do seu gerente, quando este, irresponsavelmente, com dolo direto, eventual ou por culpa em sentido estrito, concede crédito à pessoa jurídica, que na realidade torna-se corpórea na pessoa física do seu administrador, a fim de que este dê gênese a projeto temerário ao meio ambiente circundante. 9 Novos tempos exigem nova visão. E nisto, entre tantas e tantas novidades, se inclui a de que a pessoa jurídica pode praticar crime ambiental e, se o fizer, deve responder na esfera criminal por sua ação. BIBLIOGRAFIA LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. CAPELLI, Sílvia. Responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria ambiental: uma necessária reflexão sobre o disposto no art. 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal. In Revista Estudos Jurídicos; vol. 28; nº. 72; São Leopoldo: Unisinos; 1995; p. 76. Vanessa Facuri bentojr@bentojradvogados.com.br Advogada Escritório à Rua: Sapetuba, 187 Butantã, São Paulo/SP PABX: (11) 3037-8500 (Prox à Fco Morato e à Vital Brasil). 10 Autor: Bento Jr Advogados |
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
refletindo sobre crimes ambientais
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário