Todo dia, há 30 anos, ele doa árvores
É nos dias de hoje que Luís Cabral, 60, colhe as sombras do que tem plantado há 30 anos. Não sabe bem em que parte da Fortaleza fez brotar as primeiras mudas, mas estas árvores já são frondosas. Cada vez que vê o sombreado daquilo que um dia foi semente e virou vida por suas mãos, o físico e professor de engenharia civil aposentado lembra dos oitis na avenida Dom Manue
02.01.2012| 01:30
Caídos na massa asfáltica, não encontravam terra para germinar. “Porque a prioridade em Fortaleza não é o caminhar, não são as árvores. A prioridade é o carro, o concreto. Isso tem de mudar”.
Não se contentou com o fim sem começo. O professor Luís que, por ironia, trabalhava construindo estradas, passou a juntar as sementes na madrugada e a distribuir o recolhido em suas caminhadas vespertinas pela cidade. Já se passaram três décadas desde o início da obra sem fim: a tentativa do resgate do verde em Fortaleza. De lá para cá, já plantou mais de 10.900 árvores, sendo uma por dia em 30 anos. Se a Capital é terra plana, porque não a tornar aprazível para a caminhada?
A história contada no começo da conversa, na porta da casa de Luís, no Parque Manibura, é uma entre dezenas que vivenciou e o motivou a fazer o diferente - o estranho que deveria ser o corriqueiro. Feito pássaro, saía para caminhar com os bolsos cheios de sementes, as mãos com adubo e a cabeça repleta de esperança. A procura por uma área em que as plantas pudessem crescer sem causar transtorno. Depois, comprou um sítio de dois hectares em Beberibe, no Litoral Leste do Ceará. O espaço ficou pequeno e quase não há lugar livre. Luís continua cultivando (em) caminhadas. Agora, o alvo é criar mudas para dar de agrado. “Existe presente mais bonito? É a vida que dou de mimo”.
Na busca de trazer sombras e tentar modificar prioridades, Luís perseverou. “Fortaleza deveria ser uma cidade onde as pessoas tivessem prazer de andar a pé”, determina, mesmo sem sombras para apará-lo. Se pelo menos 10% das pessoas de Fortaleza fizessem o mesmo que o professor, a quentura da cidade diminuiria consideravelmente.
Andarilho, Luís encara a atividade como um prazer que tem de ser cumprido todos os dias. Quando não está no sítio ou passeando pelas calçadas desniveladas, está na casa do Parque Manibura, plantando mudas. E é por paixão pela cidade que ele entrega, todos os dias, um presente simples e significativo, como um verso deixado como dedicatória à amada. A Fortaleza não tarda em lhe retribuir, com sombras e espaços mais agradáveis. Transmitiu às três filhas e hoje repassa à neta os conhecimentos. “Minha netinha, de cinco anos, gosta mais de planta do que eu”, informa o impossível.
A fala é rápida, como se coubessem todas as ideias naquele instante. Luís empolga-se com plantas nativas da caatinga, principalmente as que dão sombra e não trazem raízes expostas, para não causar problemas aos caminhantes, como ele. De tanto que plantou, aprendeu cada peculiaridade, o tempo da desenvoltura e a época de dar frutos. Conhece cheiros, texturas e tamanhos de cada folha. Muitas vezes conversa e acaricia as árvores. Acha que a natureza responde bem a esse estímulo.
Luís é vegetariano. Mais pela sensibilidade à vida dos animais que por saúde. Tudo do que se alimenta vem da terra, e é orgânico. Do sítio, em Beberibe, colhe melancia, maçã, pera, acerola, pitanga, melão, tomate, alface, couve, pimenta, agrião, feijão e outros tantos. O que sobra, dá de presente. “Não negocio o que recebo de graça. Acho que o dinheiro deve ser usado para as necessidades básicas”, sentencia.
Nos seus devaneios, acha absurdo o negócio a partir da natureza. Descobriu que o homem somente cuida de preservar única e exclusivamente para benefício próprio. “E não pode ser assim. Quando, por exemplo, uma árvore tira a visão de uma placa de trânsito, por que tem de ser a planta a ser cortada? Por que não retiram a placa?”. Ele conta que existe uma cultura de desenvolvimento que está acima da sustentabilidade. “Para mim, não existe o desenvolvimento sustentável”.
Encontrou “loucos” feito ele ainda em 2011, em seus passeios. No Dia da Árvore, 21 de setembro, Luís firmou compromissos daquilo que já pratica no cotidiano. A partir dali, foi um dos articuladores do Movimento Pró-Árvore, grupo que vem crescendo na defesa da paisagem natural e urbana de Fortaleza. No encontro, descobriu que cerca de 300 árvores por mês são cortadas na cidade. Que o mínimo de metros quadrados verdes recomendado pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana é de 15 por habitante, enquanto a Capital não concentra um terço disso. E o pior: quase ninguém faz nada contra isso.
“O movimento trabalha no sentido de proteger a pouca arborização que existe. De plantar árvores. De congregar pessoas sensíveis à natureza”, delimita. Reunido com o grupo, Luís também percebeu que faltava à cidade algo fundamental: o direto à paisagem. E Luís vai seguindo em busca de um futuro mais fértil. Ele e suas sementes.
3 BOAS NOTÍCIAS
SEM LIXO
Um comerciante de 66 anos retira, todos os dias, na avenida Eduardo Girão, o lixo no trecho próximo à casa dele. Ele diz que faz isso para evitar alagamentos causados pelas chuvas.
ARTE
O Coletivo Acidum, grupo de intervenção urbana que agrega várias linguagens artísticas, promete para 2012 uma série de atividades em Fortaleza. Os trabalhos serão próximos a áreas em reforma, como a Praça José de Alencar.
AGORA EM CASA
O começo de 2012 será o primeiro em que o casal Antônio Ferreira Lima, 86, e Maria do Livramento Vital, 84, passará na casa própria. Por quase 50 anos, os dois viveram sobre a ponte metálica, no Poço da Draga. A casa foi doação do grupo Praia de Iracema Reconstrução Já. O movimento busca a requalificação da área. Angélica Feitosa
angelica@opovo.com.br
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