Domingo, Outubro 05, 2008
DANUZA LEÃO
O tal do dinheiro
O tal do dinheiro
UM DIA EU vendi um apartamento e, como o comprador era estrangeiro e não tinha conta em banco, me propôs pagar em dinheiro -cash.Na minha cabeça, bem de mulher, achei ótimo. No fundo, no fundo, acredito muito mais em dinheiro do que em cheque, mesmo visado. Depois que se deposita, ainda são 48 horas para compensar, sabe-se lá se nesse meio tempo o comprador morre e a mulher, com quem tem conta conjunta, não vai ao banco e rapa tudo. Em dinheiro é sempre melhor.
Marcamos a escritura numa sala do banco, chegaram o comprador, o advogado, o homem do cartório, todos nos sentamos em volta de uma mesa redonda, todos sorrindo -eu, porque estava vendendo, ele porque estava comprando-, e começou a leitura. Não prestei muita atenção ao que estava ouvindo; já que estava vendendo, a única coisa que me interessava era receber meu dinheiro e depositar direto na conta.
Depois de todos os blá-blá-blás, que foram longos, chegou a hora do pagamento. O comprador abriu uma sacola, botou os maços de dinheiro em cima da mesa -todos presos por um elástico- e ficamos contando. Eu contei, o advogado contou, a gerente do banco, gentilmente, botou um funcionário do banco para contar também.
Ele chegou e trouxe na mão uma espuma de borracha úmida para ajudar a contar. Por alguma razão -talvez pelo respeito que o dinheiro impõe-, fez-se silêncio. Todos olhavam, como hipnotizados, para as mãos da pessoa que contava as notas. Levou tanto tempo que comecei a viajar nos meus pensamentos.
Quando chegou ao quinto pacotinho, pensei que com eles poderia comprar aquele carro com que tanto sonhava. Mas aí veio o sexto, o sétimo, o oitavo, e eu me perdi. Me perdi e só via na frente montes de pedaços de papel pintado e colorido, cortados do mesmo tamanho, muito bonitinho até, mas apenas um monte de papel. Perdi a noção de que aquilo era dinheiro e comecei a pensar.
Eu estava trocando meu apartamento com vista para o mar, onde fui tão feliz, por aqueles pacotinhos amarrados com elástico; e o tempo que levei escolhendo de que cor iria pintar as paredes, os sonhos que sonhei, os momentos de amizade, de amor, felicidade, tristezas, desespero, ódio, esperança, tudo isso acabou, trocado pelos pacotinhos? E o que era o dinheiro afinal, essa invenção diabólica, razão de brigas, deslealdades, traições, guerras, mortes, o que era, o que é o dinheiro afinal? O rapaz não acabava de contar, o silêncio continuava, e eu pensando. Tantas coisas já tinha visto na vida, de tantas outras ouvi falar; de pessoas que abriram mão de suas convicções, trocaram de amigos, de marido ou de mulher, e da graça que já acharam em coisas ditas por um banqueiro que não tinham a menor graça, tudo, no fundo, pelo dinheiro.
Lembrei então de ter lido alguma coisa sobre o espanto dos portugueses quando chegaram ao Brasil, vendo os índios (daquela época) tão inocentes e felizes, e que a razão de tanta felicidade e tanta alegria era porque eles não conheciam o dinheiro, nem o casamento, nem nenhum tipo de propriedade, isto é, a posse das coisas ou das pessoas.
O dinheiro acabou de ser contado, assinei uns papéis, esperei pelo recibo do depósito, saí e fui andando e invejando esse tempo em que se vivia no meio do mato. Mas para isso seria preciso ter nascido índia, e há 500 anos.
Marcamos a escritura numa sala do banco, chegaram o comprador, o advogado, o homem do cartório, todos nos sentamos em volta de uma mesa redonda, todos sorrindo -eu, porque estava vendendo, ele porque estava comprando-, e começou a leitura. Não prestei muita atenção ao que estava ouvindo; já que estava vendendo, a única coisa que me interessava era receber meu dinheiro e depositar direto na conta.
Depois de todos os blá-blá-blás, que foram longos, chegou a hora do pagamento. O comprador abriu uma sacola, botou os maços de dinheiro em cima da mesa -todos presos por um elástico- e ficamos contando. Eu contei, o advogado contou, a gerente do banco, gentilmente, botou um funcionário do banco para contar também.
Ele chegou e trouxe na mão uma espuma de borracha úmida para ajudar a contar. Por alguma razão -talvez pelo respeito que o dinheiro impõe-, fez-se silêncio. Todos olhavam, como hipnotizados, para as mãos da pessoa que contava as notas. Levou tanto tempo que comecei a viajar nos meus pensamentos.
Quando chegou ao quinto pacotinho, pensei que com eles poderia comprar aquele carro com que tanto sonhava. Mas aí veio o sexto, o sétimo, o oitavo, e eu me perdi. Me perdi e só via na frente montes de pedaços de papel pintado e colorido, cortados do mesmo tamanho, muito bonitinho até, mas apenas um monte de papel. Perdi a noção de que aquilo era dinheiro e comecei a pensar.
Eu estava trocando meu apartamento com vista para o mar, onde fui tão feliz, por aqueles pacotinhos amarrados com elástico; e o tempo que levei escolhendo de que cor iria pintar as paredes, os sonhos que sonhei, os momentos de amizade, de amor, felicidade, tristezas, desespero, ódio, esperança, tudo isso acabou, trocado pelos pacotinhos? E o que era o dinheiro afinal, essa invenção diabólica, razão de brigas, deslealdades, traições, guerras, mortes, o que era, o que é o dinheiro afinal? O rapaz não acabava de contar, o silêncio continuava, e eu pensando. Tantas coisas já tinha visto na vida, de tantas outras ouvi falar; de pessoas que abriram mão de suas convicções, trocaram de amigos, de marido ou de mulher, e da graça que já acharam em coisas ditas por um banqueiro que não tinham a menor graça, tudo, no fundo, pelo dinheiro.
Lembrei então de ter lido alguma coisa sobre o espanto dos portugueses quando chegaram ao Brasil, vendo os índios (daquela época) tão inocentes e felizes, e que a razão de tanta felicidade e tanta alegria era porque eles não conheciam o dinheiro, nem o casamento, nem nenhum tipo de propriedade, isto é, a posse das coisas ou das pessoas.
O dinheiro acabou de ser contado, assinei uns papéis, esperei pelo recibo do depósito, saí e fui andando e invejando esse tempo em que se vivia no meio do mato. Mas para isso seria preciso ter nascido índia, e há 500 anos.
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